''Nasci prematuro e fiquei cego desde bebê, tive uma vida praticamente normal. Brinquei, como toda criança, fiz arte, e até apanhei quando precisou. Fui a escola e sempre tive ajuda de bons profissionais. Durante a minha vida, sempre tive atração pela escrita. Enfrentei muitas dificuldades mas sempre procurei superá-las. Esse interesse pela escrita me levou a publicar três livros infantis. Foi a maneira que encontrei para levar a questão da deficiência visual ao público infantil pois acredito que eles serão os cidadãos de amanhã e quero contribuir pra que sejam adultos mais conscientes e com menos preconceito."
A primeira entrevista do blog é com uma pessoa que admiro muito,
Markiano Charan Filho, prestes a completar 51 anos, formado em letras pela PUC SP, especialista em educação inclusiva, formado em processamento de dados pela Escola Técnica Federal de São Paulo,
escritor e
meu pai.
Com três livros publicados, Markiano leva a questão da abordagem da deficiência as crianças de uma forma leve e sutil. Em
Rodrigo Enxerga Tudo,
Rodrigo Bom de Bola e
Rodrigo na Era Digital, seu protagonista enfrenta o medo de ir a escola e lá faz amigos e conhece André, seu melhor amigo. No segundo livro, Rodrigo mostra aos amigos que os deficientes podem sim praticar esportes e convida os amigos para uma partida de futebol. Enfim, no terceiro livro, o menino mostra como os deficientes visuais usam a tecnologia e até ensina truques para seus colegas.
Pedi uma ajudinha a alguns blogueiros e amigos, eles me enviaram perguntas para a entrevista e me contaram o que mais queriam saber sobre o assunto, o resultado você confere aqui:
Júlio: O que te levou a desenvolver esse interesse pela escrita?
Markiano Charan: Quando eu tinha dez anos, li sobre Papillon e vi que, no fim da vida dele, ele escreveu um livro de sua história. Achei isso fascinante! Numa sexta-feira a tarde, minha mãe entrou na sala e falei para ela que queria escrever um livro contando minha história. Ao contrário de que muitos fariam, de achar isso uma bobagem, ela se interessou e disse que precisaria me contar como foi meu nascimento e outras coisas para que eu escrevesse o livro. Perguntou se eu ia escrever em braille ou de uma maneira que os outros pudessem ler. O tempo passou e eu me destacava em redações na escola, a ponto de um professor de português, na sexta série, ter ficado com uma redação minha. Adorava escrever contos e crônicas nas horas vagas. Em 1997 fui convidado a participar do projeto
Arte Sem Limites. Nesse projeto, participei de uma oficina literária a qual deu origem ao livro
Corpo, Alma e Companhia (não comercializado). Tempos depois uma amiga escreveu o livro
Júlia e Seus Amigos, a história de uma menina com deficiência física que enfrentou as barreiras arquitetônicas ao ir a escola.
Lia Crespo, autora desse livro, me indicou para a
Editora Nova Alexandria que queria uma obra sobre criança com deficiência visual.
Júlio: Quais foram as suas inspirações?
MC: Me inspirei no que eu acho ser o modelo ideal de inclusão na escola por meio do esporte e de modo digital.
Samara: Um dia o senhor já pensou em desistir de escrever livros. Se sim, o quê te motivou a continuar?
MC: Nunca pensei. Acho que escrever é minha missão.
Pamela: Como se sente em relação a escrita?
MC: Acho fascinante o que a palavra escrita consegue expressar. É capaz de nos levar por inúmeros caminhos, basta dar asas a imaginação.
Pamela: Se sente excluído pela sociedade?
MC: Não. Acho que a inclusão é uma via de mão dupla. Porém cabe a nós, pessoas com deficiência, conduzir essa inclusão para que ela seja feita da melhor maneira possível. É uma maneira de ''educar'' o povo. Ninguém é digno de pena, porém, dependendo de como uma pessoa com deficiência se conduz na sociedade, pode gerar esse sentimento. Portanto, é de fundamental importância construir a inclusão de uma maneira positiva.
Tamires: Qual o programa que utiliza para auxiliar e se encontra algum tipo de dificuldade no processo de escrita e revisão.
MC: Utilizo o NVDA e o Jaws. Esses programas não apresentam dificuldade no processo de escrita e revisão
Caroline: O quanto é importante para você o apoio da família para a materialização desse sonho que é escrever e ser publicado?
MC: Dependendo da idade, é de fundamental importância. Quando tinha 10 anos e falei para minha mãe que iria escrever um livro, ela, sem saber, apoiou-me com sua resposta.
Caroline: Como foi a trajetória até conseguir publicar seus livros? Você sofreu muito preconceito?
MC: Inicialmente, comecei a escrever contos e crônicas. É uma questão de oportunidades e de procurar, uma hora a oportunidade aparece.
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Reglete e punção, ferramentas usadas para escrever em braille. |
Caroline: O que ele acha que poderia ser feito para que os deficientes visuais conseguissem uma educação de mais qualidade no Brasil?
MC: Formar professores especializados no ensino do sistema braille, incentivar a impressão de material em braille e, principalmente, fazer uma inclusão de verdade. Não se pode simplesmente jogar o aluno em uma sala de aula e dizer que ele está incluído.
Caroline: Por que gosta de escrever e o que te inspira?
MC: Porque é o meio pelo qual eu consigo expressar meus sentimentos. Tudo pode me inspirar, o trabalho de um escritor é 10% inspiração e 90% transpiração
Caroline: Quais são suas maiores dificuldades?
MC: A falta de material em braille para consulta.
Ana: Sobre os seus livros, se possuem ilustrações, que é bem provável e se você já tem uma ideia das ilustrações que quer colocar, personagem moreno, usando tal roupa, por exemplo, quando escreve, ou se alguém sugere as coisas para você.
MC: As ilustrações ficaram por conta de Wilian Valeriano. Elas me foram descritas de modo a não ficar destoado do texto.
Muito obrigado aos que ajudaram:
Júlio, meu amigo pessoal que não tem blog :(
Espero que tenham gostado da primeira entrevista do Ganhei um Livro e se tiverem alguma dúvida, comentem.
beijos
Jú Charan